A expressão zona de conforto passou a ser muito debatida nos últimos anos, principalmente em discussões sobre produtividade. Embora a maioria das conversas sobre esse assunto – com uma visão de alta-performance – reforcem que é importante estar SEMPRE crescendo, eu não sou fã do conceito de estar sempre tentando arriscar dar passos maiores que a nossa perna, já que isso pode prejudicar nossa saúde mental.
Em vez disso, eu acredito em uma expansão gradual e sustentável da nossa zona de conforto: que não deixa de lado os nossos objetivos, mas considera o que a gente sente e a nossa saúde mental durante o processo de praticar a nossa criatividade e tirar projetos do papel.
Embora a visão do “vai lá faz!” possa realmente ajudar em momentos pontuais, eu aposto em um caminho que nos permite expandir a nossa zona de conforto de forma mais sustentável, respeitando a nossa personalidade.
Se você tem sentido vontade – e dificuldade – de sair do lugar, eu te convido a mergulhar nessa reflexão para entender como dar o primeiro passo, sem deixar de respeitar a sua saúde mental.
O que é a zona de conforto
A ideia de zona de conforto é um conceito abstrato, mas gosto de visualizá-lo da seguinte forma:
Imagina um mapa onde você só conhece parte do território. O resto está escuro e você não consegue enxergar.
A parte que você conhece e consegue enxergar representa o nosso estado de existência mais confortável, onde estamos protegidos de riscos (que estão do lado de fora dessa zona).
Já na parte mais escura existe risco. É por lá que ficam as experiências que ainda não vivemos, habilidades que não aprendemos ou riscos que não tomamos.
Como esse termo passou a ser exaustivamente discutido nos últimos anos, há também muitas discussões que refletem que a chamada zona de conforto muitas vezes nem é um lugar tão confortável assim e sair dela não é tão urgente como se diz por aí.
Assim como a procrastinação, a zona de conforto pode ser ressignificada como uma espécie de amiguinha que quer te proteger, evitando que você gaste muita energia e se exponha o mínimo possível ao risco ou à vulnerabilidade.
Um lembrete importante: seguindo a analogia acima, o “mapa” de cada pessoa vai ser diferente. Aquilo que vemos como confortável e arriscado varia de acordo com o repertório e contexto de cada ser humano.
Aquilo que me deixa confortável pode também significar um desafio para outra pessoa. Da mesma forma, alguém pode se sentir bastante seguro diante de uma atividade ou situação, que pode ser um desafio imenso para outras pessoas.
Quer um exemplo? Criar vídeos para o YouTube pode ser um obstáculo para algumas pessoas (seja pela timidez, dificuldade de usar a própria imagem ou por acreditar que não terá um bom resultado nessa plataforma).
Para mim, foi assim. Precisei praticar, de pouquinho em pouquinho, até conseguir ter um nível que considero “suficiente” de desenvoltura para falar com a câmera.
Outras pessoas, mesmo sem nunca terem feito nada parecido antes, veem a atividade de criar conteúdo em vídeo com menos ansiedade, sentindo uma facilidade mais natural e quase nenhum bloqueio na hora de gravar o seu primeiro vídeo.
Ao mesmo tempo, se eu pedisse para uma delas desenhar, elas poderiam se sentir extremamente desconfortáveis – mesmo que esse seja um desafio bastante cômodo para mim.
O importante é avaliar se a própria zona de conforto não está te afastando de praticar a sua criatividade. Questionar se não estamos nos acomodando em alguma situação ou limitação pode ser interessante para a gente enfrentar desafios novos e crescer pessoalmente e profissionalmente, sempre respeitando a nossa saúde mental.
Ressalto a saúde mental porque quando se fala em “sair” da zona de conforto, um conselho muito comum é o que já comentamos lá em cima: “vai lá e faz!”. Só que para muitas pessoas – e eu me incluo nesse grupo – essa ideia de “simplesmente fazer” provoca ainda mais travas e medo de julgamento.
Isso faz com que, em vez de a gente poder progredir devagarinho, ficamos parados no mesmo lugar e sentimos uma frustração (que vai se acumulando) por continuar ali.
Apenas para deixar claro, eu não acho que esse conselho seja errado. Pode, inclusive, funcionar para muita gente. Mas somos criaturas extremamente complexas e nem todas se guiam por um processo racional.
Só não o vejo o “vai lá e faz” como uma solução universal e que, mesmo que funcione em momentos pontuais, pode ser perigoso não considerar o que as nossas emoções e nosso corpo estão tentando nos comunicar para focar apenas na “fazeção”.
É por isso que eu acredito muito mais numa forma de expandir nossa zona de conforto de maneira saudável e que a manutenção desse processo seja sustentável ao longo do tempo.
Por que acredito que é melhor expandir gradualmente sua zona de conforto?
Se os conselhos que envolvem lidar com sua zona de conforto geralmente seguem uma linha radical e não te ajudam a dar o próximo passo, acredito que é importante a gente definir um equilíbrio entre esse caminho de botar a mão na massa e empatia pelo que você tem sentido.
É importante fazer uma espécie de investigação cuidadosa sobre quem você é, como gosta de trabalhar e qual é o seu ritmo – para que esse processo seja realmente alinhado com as suas necessidades e desejos.
Encontrar esse equilíbrio pode ser traduzido naquilo que eu chamo de expansão gradual da zona de conforto, um processo mais sustentável, empolgante e capaz de promover mudanças pessoais e profissionais de maneira mais humanizada e consciente😊
Encarar a zona de conforto não como algo que precisamos sair, mas sim expandir gradualmente, quebrando os desafios complexos em minidesafios – mais simples de se navegar – pode nos ajudar a ser mais constantes durante esse processo.
Não é só uma questão de dar o próximo passo a qualquer custo, já que eles podem pode gerar picos de estresse e ansiedade. Por isso, pode ser mais interessante é aprender a fazer isso de uma forma sustentável e ainda se manter motivado nesse processo – evitando ficar exausto ou com as energias drenadas.
2 fundamentos que te ajudam a expandir sua zona de conforto
Existem dois fundamentos muito importantes como se trata de expandir a zona de conforto. O primeiro é manter em mente que quanto mais familiaridade temos com qualquer coisa nova, menos receio e insegurança sentimos ao estudar ou trabalhar com aquilo.
O segundo fundamento é que qualquer desafio complexo é formado por um monte de minidesafios simples.
Para entender como esses 2 conceitos são úteis na prática, vou te apresentar um exercício muito simples. Ele consiste em pensar em algo realmente desafiador para você. Vamos usar o exemplo que mencionei ali em cima, de gravar vídeos no YouTube.
Como expliquei antes, se você for uma pessoa expansiva, esse objetivo, provavelmente, será mais fácil se comparamos com a experiência de alguém mais tímido ou introvertido.
Falar com a câmera talvez não esteja dentro da zona de conforto das duas pessoas no presente. Porém, se olhamos para esse “território” que precisa ser descoberto no mapa delas, muito provavelmente, ele vai parecer mais próximo da fronteira da zona de conforto da pessoa expansiva.
Enquanto isso, para a pessoa mais tímida, esse destino parece mais distante e arriscado de chegar, o que pode causar um bloqueio criativo.
Para quem vê um objetivo como algo muito fora da sua zona de conforto, o exercício que eu proponho é que essa grande expedição para um destino distante seja dividida em viagens menores e menos difíceis.
Com paradas no caminho, existe tempo de descansar e dá para, inclusive, apreciar um pouco a vista durante a caminhada 🙂
Nesse mesmo exemplo de gravar vídeos para o YouTube, poderíamos dividir essa jornada em:
1) falar com a câmera ligada, mesmo que, por enquanto, nem você vá ver a gravação;
2) começar a assistir as gravações depois de gravar;
3) começar a editar os vídeos, mas não postar;
4) começar a publicá-los de forma privada;
5) começar a enviar os vídeos privados para pessoas de confiança;
6) publicá-los publicamente.
O mais importante é entender que todo processo é individual. Cada pessoa tem uma zona de conforto com um formato diferente e que se expande de forma diferente. Então se você precisar de mais “paradas” no meio do caminho e outra pessoa não, não se culpe.
Muitas vezes, o caminho que parece mais longo pode ser o mais rápido, justamente porque podemos progredir gradualmente em vez de pararmos no meio da viagem.
Deu para reparar a diferença entre a abordagem tradicional e essa aqui?
Desse jeito, além de sentirmos mais autonomia sobre o nosso desenvolvimento, a gente entende que existe um meio termo: um caminho que permite que a gente bote a mão na massa, mas tenha empatia por nós mesmos.
Como sair da sua zona de conforto respeitando sua saúde mental
Para finalizar, vou dividir aqui um conceito bem legal que sempre me ajudou a me manter motivado na hora de expandir a minha zona de conforto: a regra de Goldilock. Aprendi sobre ela em um artigo (em inglês) do escritor James Clear.
De forma resumida: imagine que você está jogando uma partida de tênis contra a Serena Williams ou com o Roger Federer (lendas do esporte). Mesmo que você pratique tênis há muito tempo, é provável que você perca – de lavada 😛
Agora imagine que você está jogando tênis tendo como adversária uma criança de 4 anos. Rapidamente você deve ficar entediado, certo? Nas duas opções, perder a motivação – seja pela derrota iminente, seja pela facilidade – é quase certo.
A regra de Goldilock aponta a necessidade de encontrar um meio termo, um ponto ótimo de estímulo. Nem se desafiar com um “jogo” difícil demais, nem se contentar com uma tarefa muito simples. Achar um nível parecido com o seu – e até arriscar um nível um pouquinho acima, pode ser legal para manter uma dose de desafio e motivação.
Focar nisso nos ajuda a expandir a zona de conforto de forma gradual, sem prejudicar sua saúde mental, e também mantendo o processo mais divertido, já que o próximo passo parece alcançável. Além disso, outras sugestões podem ser interessantes nesse processo:
1) Não se esqueça de se observar
Expandir a zona de conforto muitas vezes envolve enfrentar autocríticas (que podem ser ainda mais pesadas que julgamentos externos). Acolher-se é importante nesse processo. Reconhecer as suas limitações no presente, sem julgamentos, fortalece a resiliência, o que permite uma jornada mais suave.
2) Tenha rituais de autocuidado
Integrar rituais de autocuidado à sua rotina diária é uma estratégia eficaz para equilibrar a aventura de expandir gradualmente a zona de conforto. Aqui é importante perceber o que faz sentido para você: meditar, sair para caminhar, assistir seus filmes favoritos. Como você pode balancear essas aventuras em territórios novos com o conforto dos que você já conhece?
3) Tenha uma rede de apoio
Compartilhar seus progressos ou receios com pessoas mais próximas e até mesmo contar com o suporte profissional de cuidado pode ser fundamental para enfrentar desafios sem comprometer sua saúde mental.
Outra sugestão é se conectar com pessoas que compartilham objetivos similares aos seus ou que já percorreram caminhos desafiadores. Esse tipo de rede pode oferecer suporte emocional, conselhos práticos e a oportunidade de aprender com as experiências delas.
Além disso, por elas estarem na mesma “bolha”, talvez seja mais fácil para elas entenderem o porquê de você quer correr atrás de certas coisas que podem ser vistas como “malucas” ou “arriscadas demais” pelas pessoas que são próximas de você e que não conhecem a realidade desse contexto que você tem explorado.
O que você aprendeu até aqui
Neste artigo expliquei que o conceito de expansão gradual da “zona de conforto” pode ser feito com uma abordagem mais saudável, respeitando o ritmo de cada pessoa. O processo não acontece instantaneamente e é importante respeitar a própria saúde mental durante a jornada e tentar construir hábitos sustentáveis no longo prazo.
Um dos fundamentos da expansão gradual da zona de conforto inclui entender que quanto mais a gente está familiarizado com uma coisa nova, menos receios e inseguranças teremos ao lidar com ela.
Outro fundamento é que qualquer desafio complexo pode ser dividido em etapas mais simples, o que nos permite quebrar os “medões que nos travam” em “medinhos que temos coragem de enfrentar”.
Por isso, sugeri um exercício para transformar grandes desafios em pequenos degraus, reconhecendo que o processo é individual. Enfatizei o respeito à saúde mental e destaquei a regra de Goldilock, que pode te ajudar a se manter mais motivado durante o processo.
Sugestões adicionais incluem auto-observação, rituais de autocuidado e a importância de uma rede de apoio para enfrentar desafios. Se você quer expandir sua zona de conforto de forma gradual, te convido a conhecer o meu sistema simples de criação, que já ajudou muita gente a tirar suas ideias do papel: