Se você está bloqueado na sua jornada criativa, seja porque não consegue começar um projeto ou mesmo porque já está trabalhando em alguma criação e não consegue finalizá-la, pode ser que esteja assombrado pelo fantasma do perfeccionismo.
Muita gente, quando é perguntada numa entrevista de emprego sobre seu pior defeito, costuma responder que é perfeccionista, como se essa característica fosse positiva e fosse sinônimo de produtividade. Mas quando a busca pela perfeição ultrapassa os limites saudáveis de criação, esse padrão de autoexigência pode ser um obstáculo real na realização de nossos projetos e metas.
Neste artigo, vamos refletir sobre o conceito de perfeccionismo, explorar como ele se relaciona com a criatividade e o mais importante, entender como podemos superar esse desafio para finalizar nossos projetos de uma forma mais tranquila e consciente.
O que é perfeccionismo
Antes de tudo a gente precisa compreender que perfeição é um conceito beeeem subjetivo. Como somos pessoas diferentes, cada um de nós tem uma perspectiva única do mundo, nutrida por nosso contexto, experiências, habilidades e interesses.
Por isso, a ideia de criar algo universalmente “perfeito” é irrealista.
Além de envolver subjetividade, a ideia de algo ser perfeito, sem defeitos e agradar todo mundo é também utópica, já que é impossível e inalcançável.
Só que mesmo com isso em mente, muita gente continua a ser perfeccionista com seus projetos e até deixa de colocar alguma ideia no mundo porque escolher tirar as ideias do campo da imaginação para o mundo real faz a gente esbarrar com essas imperfeições do processo de execução.
Embora muita gente descreva o perfeccionismo como uma voz interna maléfica e sabotadora que quer nos bloquear e impedir de continuar. Gosto de desconstruir esse conceito, entendendo nossa busca perfeccionista como um instinto protetor que deseja nos proteger.
Se não agirmos, poupamos energia e corremos menos risco de passar vergonha mostrando o que fizemos, ou até podemos sofrer com a autocobrança dos nossos próprios julgamentos.
O perfeccionismo, no fundo, é uma tentativa de nos afastar de situações em que estamos vulneráveis ao julgamento do outro.
Se vemos o perfeccionismo como uma voz interna que quer nos proteger da vulnerabilidade, podemos compreendê-la e escutá-la, mas isso não significa que precisamos aceitar o que ela tem a dizer.
A decisão de começar ou finalizar um projeto é nossa, mesmo que a gente tope aceitar os riscos dessa exposição. Podemos, inclusive, entender que é justamente colocando nossas ideias no mundo que podemos desenvolver nossas habilidades, nos tornar mais seguros com o que temos criado e até ganhar novas conexões e oportunidades.
Como falei, é preciso ressignificar o que entendemos por perfeição, considerando que nossos projetos serão vistos por diferentes pessoas, com avaliações variadas. Se você sente é justamente esse medo do julgamento que está bloqueando sua criatividade, vamos falar mais sobre isso no tópico a seguir.
Perfeccionismo X Criatividade
Nada do que criamos vai conseguir ser unanimemente perfeito. Um exemplo: aquele filme que ganhou todas as estatuetas do Oscar também recebeu um monte de críticas. A caneta que uma pessoa mais gosta de escrever pode ser a pior para outra pessoa e assim por diante.
A noção de perfeito varia de pessoa para pessoa. Só que muitas vezes a gente deixa de colocar algo no mundo porque a gente quer um controle total do resultado, pelo impulso de querer agradar todo mundo (o que, já sabemos, é impossível). O instinto perfeccionista quer nos proteger porque não queremos ser vistos como insuficientes por ninguém.
Desafiar a perspectiva do perfeito passa por aceitar que as pessoas olham para a mesma coisa sob ângulos e perspectivas diferentes. Seja porque elas vêm de culturas variadas, foram ensinadas a gostar de determinadas coisas ou até carregam certos traumas.
Isso interfere também em como suas criações podem ser interpretadas pelas pessoas, já que cada um absorve o que você criou a partir da sua bagagem e do seu repertório cultural.
Agora que já desconstruímos o que é o perfeccionismo e por que ele é tão comum, que tal explorarmos maneiras de lidar com a tendência de ser perfeccionista em nossas criações?
De que forma lidar com a perfeição e o ato de ser perfeccionista
Entender melhor o perfeccionismo ajuda muito a finalizar projetos de uma forma saudável e tranquila. Principalmente quando precisamos lidar com a pressão de colocar um ponto final em nossas criações.
Durante a minha trajetória, percebi que essa pressão pode ser muito maior quando estamos falando de projetos finitos, ou seja, aqueles que têm prazo bem definido, como a publicação de um livro, que possui uma data específica para ser impresso ou disponibilizado para o público.
Já num projeto infinito, como a criação de conteúdo para o Instagram, por exemplo, não temos esse prazo definido e existe a possibilidade de editar o que já foi feito, pois é um projeto que se constrói ao longo do tempo.
Embora não seja uma “regra”, observo que é comum a gente ser mais perfeccionista com a entrega de projetos que têm um fim – justamente porque não teríamos mais como nos desenvolver depois que colocamos o ponto final.
Ao imaginar um gráfico que cruza a nossa capacidade de adquirir conhecimento e o tempo que temos disponível, chegamos a um dilema criativo: a conclusão de que, depois de terminado o projeto finito, teremos mais habilidades e conhecimento para entregar algo muito maior e melhor no futuro.
No vídeo a seguir eu me aprofundo um pouco mais nesse assunto.
Enxergar o perfeccionismo por essa lente é se dar conta de que vamos colocar no mundo ideias que poderíamos, em teoria, refinar para sempre, mas que aquele ponto final foi necessário, para tirar as coisas do campo das ideias e passá-las para o mundo real – mesmo com suas possíveis limitações e potenciais melhorias.
Tirar um projeto do papel não é uma declaração de que o que você fez está perfeito. Pelo contrário: é a vulnerabilidade de trazer algo ao mundo, mesmo sabendo que aquilo vai ser criticado por algumas pessoas. Por isso, considero o ponto final como um grande gesto de coragem.
Os pontos finais são como migalhas de pão que você deixa para trás (lembrou de uma história conhecida?), que marcam a sua jornada criativa e se tornam pontos de conexão para outras pessoas, possibilitando que novas ideias sejam criadas.
Vamos a um exemplo prático. Um escritor, quando escreve um livro, se inspira em muitas obras que foram publicadas e estão à disposição em sua biblioteca pessoal. Se cada um desses escritores e escritoras anteriores estivessem aguardando pelo “livro perfeito”, pode ser que nenhuma dessas publicações existissem quando aquele autor estivesse produzindo o seu livro.
Nosso trajeto criativo se desenvolve à medida em que movemos nossas ideias da imaginação utópica para a realidade vulnerável.
Isso faz com que outras pessoas conheçam o nosso trabalho, novas conexões sejam feitas e mais oportunidades apareçam.
Quando ficamos com medo dessa exposição e do julgamento dos outros, ficamos com vontade de adiar cada vez mais o ponto final, na tentativa de evitar sermos criticados – e essa parte do processo criativo está totalmente fora do nosso controle.
Finalizar um projeto e superar a tendência ao perfeccionismo exige coragem, porque enfrentamos nossas expectativas e aceitamos que nossas criações serão imperfeitas para algumas pessoas 🙂
Como ser menos perfeccionista e finalizar projetos
Todas essas reflexões me levaram a quatro lições que eu aprendi e que eu divido com você agora. Espero que elas te ajudem a superar a tendência ao perfeccionismo e a colocar suas criações no mundo:
1) Apostar nas versões betinhas
Às vezes, o perfeccionismo tem a ver com o controle excessivo pelo resultado. É muito importante refletir se sua expectativa está alinhada com o momento atual do seu processo criativo – ou seja, se estamos no primeiro rascunho, não podemos ter a expectativa de que ele tenha a mesma qualidade que uma versão final.
É por isso que gosto de começar qualquer projeto com a visão de que os primeiros esboços são apenas versões betinhas 😊 – intencionalmente longe do ideal, porque a função da função Beta é, justamente, trazer algo para o mundo para que isso possa ser melhorado.
Essa etapa pode ser importante para conseguir se desapegar da ideia que criações maravilhosas surgem de primeira, além de desconstruir dois estereótipos: que criatividade é um dom e que quem realmente é criativo consegue materializar ideias incríveis do nada.
É bem mais fácil melhorar uma versão existente do que tentar tirar da cabeça um projeto genial desde o início. Esses “rascunhos” tiram a pressão de criar algo grandioso, porque entendemos que são apenas uma versão bem inicial do que estamos querendo colocar no ar.
Você pode conferir a explicação completa da betinha no vídeo abaixo:
2) Desencanar do carimbo da perfeição
Quando passei a aceitar que não existia um Ministério da Perfeição, que supostamente ia validar minhas ideias como perfeitas, entendi que o que existe na verdade são as minhas criações, com variadas possibilidades de interpretação.
Entendi que algumas pessoas podem não gostar das minhas ideias e que outras pessoas não concordam com as opiniões que eu apresento para o mundo. Essa mudança de perspectiva me ajudou a ir construindo, devagarinho, autoconfiança.
Também me ajudou a desenvolver projetos que eu acredito e que permitem que eu me conecte mais profundamente com as pessoas que se identificam com eles.
Afinal, se é impossível se conectar com todo mundo, quero que as conexões que existam sejam profundas.
3) Nunca deixar de se guiar pelos seus valores
A primeira lição vem de uma constatação: independentemente do que eu coloque no mundo, vai ter sempre alguém que não vai gostar do meu trabalho ou rejeitar minha opinião.
Por isso, procuro sempre ser bastante leal aos meus valores. Caso eu tente agradar todo mundo, é bem possível que me torne uma pessoa sem graça e sem personalidade.
Procuro usar o meu espaço de criação como uma forma de trabalhar também a minha vulnerabilidade. Ao seguir os seus valores e expressar realmente o que acredito, pode ser que algumas pessoas se afastem.
No entanto, o motivo pelo qual algumas pessoas se afastam é justamente a razão de outras se sentirem uma conexão profunda e verdadeira 🙂
4) Resistir ao instinto de adiar prazos
É claro que pode ser válido reavaliar prazos, mas eu procuro sempre analisar se não estou querendo postergar a finalização de um projeto ou a publicação de algum conteúdo por pura insegurança.
Se você está considerando adiar um pouco o prazo de finalização de suas criações por causa de ajustes mínimos, pode ser que você esteja enfrentando o medo do julgamento, o que pode atrapalhar o seu processo criativo.
Aqui, vale o que já comentei no tópico seguinte. Encarar o ponto final – mesmo aceitando algumas imperfeições e possibilidades de ajustes posteriores – é um ato de coragem e pode te abrir para outras conexões e possibilidades.
O que você aprendeu até aqui
Na jornada criativa, o perfeccionismo muitas vezes se transforma naquele fantasma que nunca deixa a festa acontecer. Neste artigo, expliquei a razão de não considerar essa voz do perfeccionismo como uma sabotadora. Na verdade, ela está mais para uma amiga que tenta nos proteger da exposição e do julgamento de outras pessoas.
Para não deixar o perfeccionismo dominar seus processos criativos, é legal aceitar que nossas criações nunca serão unanimemente perfeitas e tatu do bem. É interessante pensar também em como o ponto final não simboliza que uma ideia é perfeita, mas que precisou ser colocada no mundo para criar novas conexões e oportunidades.
Contei quatro lições importantes que aprendi quando passei a enxergar o perfeccionismo a partir dessa nova perspectiva, desde: não abrir mão dos meus valores, resistir ao impulso de adiar prazos, desencanar do carimbo da perfeição e até apostar em versões “betinhas” dos meus projetos.
Se já faz um tempinho que o perfeccionismo tem te atrapalhado a tirar as suas ideias do papel e você quiser minha ajuda para dar o próximo passo, te convido a conhecer um sistema de criação super simples e que já ajudou muita gente a botar a mão na massa: